texto crítico #03, 2020

72 Dias com Pedro de Victoria Edwiges

Festival Metrô Universitário – Sessão 23/9: Tradição

por Davi Braga

A tradição – seja ela familiar, social ou conjuntural – é o elemento que salta aos olhos nos filmes da 3ª sessão do Festival Metrô Universitário. A animação Teiko (2020), de Hugo Junqueira, aposta em um combinado de diferentes traços para contar uma história sobre família e vingança. Situado em contexto oriental, a força da obra reside em seu pout-pourri iconográfico: a transição entre elementos imagéticos que remetem não somente a um filme de samurai, mas também a um western, e chegam até a estética moderna da imagem bifurcada, na qual a ação se repete incontáveis vezes para atingir o efeito desejado, configuram um espetáculo visual que dificilmente perde o espectador de vista. Não fica de lado a envolvente emoção da narrativa, capturada de maneira precisa nas sutis alterações expressivas de estilos aqui presentes. Deixando ainda mais a sua zona de conforto, Teiko se arrisca em seu final com breves planos filmados em live-action, numa apreensão da natureza e construção de mitologia que nada devem aos minutos anteriores de exibição.

Talvez ainda mais envolto em um conceito de tradição familiar, 72 Dias com Pedro, de Victoria Edwiges, procura uma forma mais melancólica de abordar o tema. Aqui, as cenas em flashback que estabelecem a relação entre mãe e filha são os momentos em que o filme melhor trabalha as tensões dramáticas pretendidas, enquanto a relação fantasmagórica que se dá no presente entre Eduarda e Pedro concebe uma estranheza não tão bem-vinda à forma geral, e mesmo que constitua a maior parte da obra, soa um pouco deslocada.

Já em O Último dos Rolês (2019), de Caio Berns Pereira, a tradição só não é familiar por mera formalidade. Focando em dois jovens amigos trambiqueiros que realizam roubos não apenas como modo de viver uma vida boa (ainda que não aparentem precisar disso de verdade), mas também para fugirem do senso comum que assombra o início da vida adulta, o curta estabelece uma conexão vital não somente entre os dois, mas também pela atividade que praticam. A estética despojada e jovial, que dialoga com a rebeldia representada pelos meninos, parece fazer homenagem, à sua própria maneira, aos filmes queridinhos da Nouvelle Vague francesa: o uso do preto e branco, uma trilha sonora despretensiosa, a quebra do eixo de plano e contraplano em favor de um discurso mais frontal e uma montagem rápida, que mal deixa os planos respirarem. Os 7 minutos, que de tão frenéticos parecem menos, constituem não apenas um ótimo filme de roubo, o heist movie, mas também um conto de amadurecimento, cujo efeito definitivo fica no ar para especularmos. Teriam o abraço e a outra face da moeda marcado o fim da jornada rebelde desses dois? Fica a torcida para que não.

P4, de Layo Stambassi, não poderia estar em lugar melhor do que em um festival universitário. A jornada derradeira de uma aluna em busca de uma aprovação quase milagrosa é retratada de uma maneira intimamente angustiante: a câmera jamais deixa a protagonista de lado, sempre mergulhando de modo imersivo em sua tragédia. De um plano pra outro, se passam horas sem que nem tomemos noção e de repente, exaurida de opções, ela se entrega ao fracasso. A tensa atmosfera do thriller dá lugar a uma sequência que coloca, na mesma posição da protagonista, outros estudantes. Vêm os créditos e fica a pergunta: nessa verdadeira tradição universitária, quem é que fracassa?