texto crítico #04, 2021

Um filme Z

por Giuliana Zamprogno

EH 01 QUALQUER COISA (2021), Alanis Machado

Sometimes Making Something Leads to Nothing (“as vezes fazer algo leva a nada”, em tradução livre) é uma performance de 1997 em que Francis Alÿs sai pela cidade do México empurrando um bloco de gelo até seu derretimento completo. A ação pode apontar para o absurdo de tempo e esforço que os mexicanos têm de despender para manter ou melhorar suas condições materiais de vida, e/ou também para uma outra colocação do corpo na cidade que não a da lógica do fim e do começo, mas a que se faz na experiência da travessia. Mas há um terceiro sentido nessa ação que poderia nos remeter aos pressupostos do próprio fazer artístico: não existe, ou não deveria existir, um caráter utilitário, funcional, na arte.

Se a arte não precisa levar a nada, se ela não precisa se justificar nem pedir desculpa, poderíamos então medir, sem cair no terreno enganoso da “intenção”, até que ponto ela acredita em si mesma ou se questiona, até que ponto ela está comprometida com sua proposta. Eh 01 qualquer coisa (2021) pratica a autodestruição de imagens em uma eterna convulsão de cores, sons e choques. Vemos diversos dispositivos, mídias, imagens e tendências que atravessaram a experiência dos nascidos nos anos 2000 em uma espécie de autofagia cibernética, consoante com a exploração estética da tão batida glitch art.

Mas há uma proposta de investigação. No desktop, pesquisa-se “Coronavírus existe?”, depois “Coronavírus existe!” e, após um pequeno passeio, vemos imagens de Olavo de Carvalho. O cursor parece procurar algo nelas, faz algumas aproximações, mostrando partes e detalhes da figura e do fundo. Depois vemos a página da Wikipédia sobre o Coronavírus e o recorte final na palavra “existe”, para em seguida retornar às múltiplas camadas de efeitos de edição sobre sons e imagens. Seria essa uma tentativa de pensar a experiência labiríntica da web, ou talvez o próprio processo de realização do filme? Ou a ideia é evidenciar como vivemos em um momento tão disparatado em que é preciso sempre defender o óbvio (existência da pandemia, cura pela vacina, terra redonda, etc.)?

O confronto de diversas materialidades discursivas, no contexto de crise sanitária e política, faz com que a linguagem seja contorcida e tornada aberração de tal maneira que não sabemos mais distinguir a verdade da mentira: a distância entre uma página da Wikipédia e um enunciado negacionista é de apenas alguns clicks. Apesar de Eh 01 qualquer coisa não se propor a fazer nada “sério”, como bem indica o título, o filme acaba lidando com assuntos espinhosos. Refletir sobre a destruição pela destruição pode sim ser muito interessante, mas é preciso pensar se o tom festivo da proposta “decadente” do filme não o leva ocasionalmente a um tratamento ingênuo dos acontecimentos contemporâneos. Se no bloco de gelo forma e conteúdo esvaem-se na mesma proporção, até porque nunca foram independentes um do outro, em Eh 01 qualquer coisa aforma parece corroer seu próprio conteúdo.