texto crítico #07, 2021

Era para ser sobre um documentário, mas…

por Vanessa Freitas

Modo Noturno (2021), de Calebe Lopes

Talvez um dos primeiros impactos da pandemia tenha sido o silêncio. Habituamo-nos ao barulho, à poluição sonora e a tipos ruidosos de comunicação. Assim, o silêncio de grandes espaços urbanos é novo, difícil e incômodo. No cerne do silêncio pandêmico, encontramos a rua, o carro, a noite, a presença monitorada e o medo. Isoladas, essas palavras são como outras quaisquer, juntas elas compõem o filme Modo Noturno (2021), de Calebe Lopes.

O filme se anuncia logo na imagem de entrada como uma tentativa de realização fílmica. Por meio da voz off, ele nos conta que o que vemos foi filmado na posição horizontal, com o celular preso no painel do carro, e misturando imagens de vários dispositivos, na medida em que é um projeto conjunto entre oito amigos. Ele próprio nos revela que está preocupado com seu contexto de produção e com a impossibilidade de fazer um documentário.

Assim, o silêncio das imagens é quebrado por essa voz off. Esse recurso não é novo, mas, nesse momento histórico, o diálogo com o espectador parece uma necessidade real. Há, nesse momento, um conflito entre aquilo que se vê e aquilo que se ouve. As imagens nos contam sobre a cidade em modo noturno; a voz nos conta sobre aquilo que ela desejava que fossem as imagens e, em dada medida, insiste em nos lembrar que há vida atrás da câmera.    

Nessa relação, há uma busca por um documentário, uma tentativa por registrar a cidade, os espaços urbanos de Salvador. Essa busca, no entanto, não vinga. A objetividade das imagens e do registro é devorada por um monstro de olhos vermelhos. Nesse entrave, o filme recorre ao cinema de gênero: há pela cidade um monstro. Criado, em primeiro momento, a partir do escuro das casas, o monstro ocupa os lugares do cotidiano. A ordem e a tranquilidade aparente são subvertidas pela presença da criatura.

Assim, o filme dialoga de maneira inteligente com a pandemia e seus contextos de produção. O documentário, plano inicial do realizador, é tragado, devorado e regurgitado em um outro nível de ficção. No Brasil 2020/2021, talvez seja impossível registrarmos o país, as nossas cidades ou as nossas casas sem o medo do monstro, sem a sua silhueta e sem os seus olhos vermelhos.

Por fim, podemos apontar que o filme Modo Noturno (2021) é potente porque usa o que tem à vista; cria a partir das imagens do cotidiano, mesmo que seja um cotidiano pandêmico. Se, como já mencionado, ele não inova na forma (não se apresenta como um filme de montagem ou experimental), ele se sustenta e – mais importante – mostra e dá forma ao medo.