texto crítico #12, 2021

Meninos Rimam

por Gabriel Ferreira

Em uma sessão que se inicia a partir do título da canção de Fábio Júnior, a tematização da juventude vem pelo caminho da autoafirmação. Os planos dos quais a sessão não se desfaz são planos como a subjetiva do personagem que olha pro espelho na abertura do primeiro filme.

O reflexo literal expõe a reflexão alegorizada, onde a própria imagem encarna o símbolo do autoconhecimento. Mas não apenas filmar o espelho: a câmera na mão do protagonista apontada para o espelho reitera que esse olhar é o seu, é sobre capturar sua própria imagem em reflexão. Em meio a essa simbologia, o espelho também sugere a preocupação com o olhar do outro. No final da sequência, a câmera cria esse olhar alheio ocupando o lugar do espelho (o olhar que o espectador devolve ao filme): ao ser avisado de que seu amigo está esperando para ele sair, o personagem dá uma última ajeitada no boné. O toque de esmero com a própria imagem simboliza os cuidados que ele seguirá tendo ao longo do filme. A função que o espelho cumpre é de mostrar quem você é, ao mesmo tempo em que você questiona como quer ser visto.

Isto tem como fator principal a pressão na qual o protagonista se encontra, a do grupo de amigos que o pressiona para ficar com alguma menina. O amigo que ele escolhe para se abrir e pedir ajuda, porém, oferece um beijo, e ambos concordam que talvez seja isso o que eles realmente querem. A partir daí, o filme se divide entre a relação escondida com seu amigo e seus esforços para se tornar o pegador que ele queria no início, ecoando o tema do espelho: a divisão concreta entre quem você é e como te veem.

Todo mundo já conhece os plot points do romance coming of age, mas na limitação de tempo do curta-metragem, podem surgir alguns problemas com o ritmo pela pressa de encaixar batidas de uma tradição cinematográfica pensada para o longa-metragem. Mas isso não chega a ser um grande problema aqui, visto que o que prende a atenção é a relação entre os dois protagonistas. A partir da ideia de que um deles quer fazer rap e o outro pode ajudá-lo a gravar um videoclipe, ambos oferecem as qualidades de que o outro precisa – em todos os aspectos que o filme trabalha. Suas cenas são montadas de uma forma diferente, com diálogo vindo do extradiegético enquanto os personagens se olham sem precisar mexer as bocas. É um truque estonteante para criar um vocabulário próprio para os dois, onde as filmagens são entrecortadas e parecem vir de um longo dia apontando a câmera um para o outro, com o som sendo gravado direto dos pensamentos. Esse efeito cria um clima entre eles e parece sugerir buscar algo além do que o realismo alcança.

A câmera que o protagonista carrega é incorporada ao filme como um símbolo complementar ao espelho. Com o espelho ele olha para si, e se vê. Com a câmera, ele pode ver o outro e descobrir o que o outro vê dele. E o momento no qual essa complementaridade se faz explícita é excelente. Por fim, o próprio filme enfim captura a versão completa da música que eles puseram em imagens juntos, em um verdadeiramente belo clipe, reiterando que ainda são só meninos vivendo de ritmo e poesia – mas que agora sabem que só eles podem dizer quem ele são.