texto crítico #15, 2021

Nordeste não existe

Peixinho (2021), de Edson Germinio

por Marcus Benjamin Figueredo

No livro A invenção do nordeste e outras artes, o historiador e pesquisador Durval Muniz Jr. investiga as origens do imaginário que foi construído em torno da região nordeste, do sertão e do sertanejo. De acordo com o autor, a partir das décadas de 10 e 20 do século passado, quando a região sudeste passou a ocupar posições econômicas e culturais cada vez mais centrais, as elites nordestinas (até então apenas elites, sem o nordestinas), diante da crise de desprestígio, se viram na posição de criar uma nova região. E para criar uma região, é preciso criar uma identidade, uma imagem.

Recorrendo, principalmente, à literatura, essas elites regionalistas capturaram imagens como a seca, o sertão e o sertanejo, para construir um estereótipo que servia a determinado tipo de discurso elitista e reacionário, que se contrapunha às transformações sociopolíticas pelos quais o país passava, como o processo de industrialização e o fim da escravidão. Era preciso inventar uma região inteira, com cultura e identidade própria, para se justificar a manutenção do poder das tais elites retrógradas. Viria daí, portanto, a imagem do nordeste da seca, do homem macho, da violência, da fome. Mas o nordeste não existia.

Logo, se pressupormos que o nordeste é um conceito a serviço de uma ideologia reacionária específica, como propõe Muniz, é preciso entender o que fazer e para onde ir se quisermos desfazer esses esteriótipos e clichês. Para o autor, a única forma de reimaginar a região (tão vasta, múltipla e diversa) seria através das artes, já que, além de terem sido fundamentais no processo de estereotipização do nordeste, seriam também, por excelência, capazes de questionar e reconceber mundos e realidades contestadoras. Não é o caso do filme Peixinho, realizado por Edson Germinio.

Em seus longos cinco minutos, a animação traz absolutamente todos os clichês possíveis sobre o sertão e o sertanejo. Personagens esqueléticos, desenhados numa estética que mistura as xilogravuras de cordel com um estilo tipo Tim Burton, morrendo de fome, violência, suicídio, seca, solidão. Um sertão esquecido, arcaico, atrasado e parado no tempo, desconectado do mundo moderno.

O interessante é que o filme faz parte da Sessão 07 do festival, intitulada “Julgar a história”, composta por filmes que tratam sobre memória e re-imaginação. Pensei imediatamente em Belchior e na música Conheço meu lugar, em que o ex-monge cearense nos lembra que “nordeste não existe, nordeste nunca houve. Não, eu não sou do lugar dos esquecidos, não sou da nação dos condenados, não sou do sertão dos ofendidos. Conheço meu lugar”. A questão, meu amigo, é realmente outra.