texto crítico #09, 2021

Sessão 4 – Pontes: A Vida é a Arte do Encontro

por Giuliano Maccio

Antes de tecer comentários sobre a Sessão 04 – Pontes, gostaria de destacar o último trecho do breve texto escrito por Evandro Scorsin acerca dos filmes nela presentes: “[…] o plano aqui se projeta no contra-plano. Tudo pelo outro, por aquele amor, por aquela lembrança, que mesmo sendo efêmera ainda podemos fingir ser eterna.”. De fato, esse “outro” não havia estado tão presente em outras sessões como esteve nessa. Obviamente, muitos dos autores recorrem a objetos além das fronteiras de suas experiências pessoais, entretanto, quando o fazem, tendem à individualização desse “outro”. Nesta sessão, modesta e simplesmente intitulada “Pontes”, o “outro” só existe através da presentificação do “eu”. Os planos que se projetam nos contra-planos, de maneira muito mais subjetiva do que prática, se tornam majestosas homenagens à arte do encontro, embora, hoje mais que nunca, haja tanto desencontro pela vida.

Meu Coração é um Pouco Mais Vazio na Cheia de Sabrina Trentim é, entre as quatro obras da sessão, a que menos escapa dos limites pessoais da autora. O curta-metragem é construído como um filme-ensaio, que relata, através da narração, e exibe, através de fotos e filmagens, a relação da autora com seus “outros”: o rio Araguaia e entusiastas da festa que ocorre todos os anos dentro da água, quando o nível do rio baixa. Um dos resultados dessa proposta é um conjunto de imagens extremamente cativantes e filmadas de maneira intimista, colocando-nos dentro da festa. Sagazmente, no plano-sequência mais importante da obra, a autora rompe com a impessoalidade gerada pela multidão, optando por filmar amigos e conhecidos que, enquanto assistimos, tornam-se também nossos amigos. O ápice disso se dá quando a câmera se distancia da festa e de seu palco, passando a seguir uma jovem mulher que, longe de todos, banhada pelo rio, dança para si mesma e para a câmera, colocando-nos no “contra-plano” de sua performance, enquanto a ponte que nos une é justamente o dispositivo; a imagem e suas infinitas possibilidades.

O outro resultado do filme-ensaio de Sabrina é uma narração tão emocionante quanto as imagens, mas que não compartilha da mesma sofisticação dos materiais visuais. O texto recorre a sentimentos muito mais pessoais da autora e, ainda que líricos e pungentes, acabam por inibir o poder do “outro”, tão presente nas imagens da obra. Ainda assim, vale salientar, ainda em na competência de som, a bela trilha sonora de Lohan Tostole que ajuda a compor toda a ambientação e o tom do filme.

O segundo filme da sessão é Consonância de Clecia Borges. Aqui, nos deparamos com duas mulheres incomodadas por sons e eventos que as impedem de viver seus respectivos cotidianos em paz. O curta-metragem é construído em dois momentos. No primeiro, de maior duração, ambas as mulheres têm de conviver com os desagradáveis acontecimentos que atravessam seus dias, sejam eles uma buzina de carro que arranca uma das personagens antes da hora ou uma leitura interrompida pelos sons de um saxofone frenético, provenientes do próprio livro. Contudo, o que salva as duas personagens da anunciada insanidade causada por esses “ruídos” consequentes de atividades triviais e comumente tidas como simples, (mas que possuem essa natureza interditada pelo delirante ritmo da cidade) é justamente o segundo momento da obra. As cores se tornam muito mais vivas e os planos, que até então eram de curta duração e filmavam individualmente cada personagem, dão lugar a longos planos conjuntos de ambas. Neste momento, elas trocam entre si seus instrumentos e juntas compõem em paz e harmonia. Novamente, o poder do encontro é anunciado em uma obra em que sequer uma palavra é pronunciada.

A próxima estação dessa maravilhosa viagem de Metrô nos leva a Os Dias com Você de Letícia Cristina e Luan Santos. Em apenas 4 minutos de duração nos deparamos com telas de celulares, áudios de whatsapp, videoconferências, multi-telas, fotos, telas de desktops e intertítulos. Todos esses elementos em prol de tornar menos doloroso o desencontro de um casal, ocasionado através de uma ponte aérea e a distância de quase 1500 quilômetros. O resultado é uma homenagem mútua; um esforço de ambos os autores em doarem-se como “contra-planos” um do outro. O filme é pessoal ao ponto de fazer muito mais sentido para quem realizou do que para quem assiste, porém, ainda assim é belíssimo.

A última estação da linha é curiosamente um filme de metrô! Estação: Senhora de Pedro Vargas Cunha. Trata-se de um filme que apresenta três jovens adultos surpreendidos na plataforma de um metrô em São Paulo pela aparição de uma senhora que eles acreditam tratar-se de Nossa Senhora de Fátima, e a série de consequências que esse evento carrega consigo. Os grandes méritos do filme se encontram em seu caráter inventivo ao contemporizar certos elementos da mitologia cristã, como no momento em que os personagens fazem um “vinho caseiro” para a senhora, composto através da mistura entre Gin e suco de uva; ou nos perspicazes planos de objetos e alimentos muito familiares aos armários de grande parte das casas, organizados de maneira a parodiar as pinturas de natureza-morta. Entretanto, mesmo composto por diversos momentos criativos e engenhosos, Estação: Senhora acaba limitando-se em sua própria ideia, tornando-se repetitivo e terminando sem deixar respostas e muito menos provocar perguntas.

Por fim, entendemos de que se tratam essas “pontes” que dão nome à viagem, sejam elas aéreas, religiosas, musicais ou constituídas apenas de códigos binários: em tempos como esses, apenas elas são capazes de ressignificar e promover esses tão preciosos encontros.

Autor