texto crítico #10, 2021

Aproveitar o fim do mundo pra fugir

por Marcus Benjamin Figueredo

Assistindo a alguns filmes do 5º Festival Metrô, é possível observar um padrão. Um padrão que também pode ser encontrado em filmes exibidos em outros festivais, em discussões e memes nas redes sociais e em textos acadêmicos. Na verdade, trata-se de um padrão quase que generalizado entre a juventude: é a consciência de um tipo específico de fim do mundo. As escaladas neofascistas, as mudanças climáticas, as guerras ideológicas no campo de batalha do material e do digital (cada vez mais interligados), a algoritmização dos afetos, o desemprego, a precarização das condições trabalhistas (etc. etc. etc.), são algumas das realidades responsáveis pelo surgimento dessa tônica de que o mundo está caminhando para seu fim, a qual, como dito acima, é relativamente disseminada entre a minha geração, a dos 20 e poucos anos.

Não falo, naturalmente, de um armagedon bíblico, imagem que costuma vir à tona quando falamos em fim do mundo. A pandemia de covid-19, além de alterar a forma como produzimos filmes, escancarou o fato de que, não adianta o tamanho da tragédia, a bolsa de valores continuará alcançado lucros recorde e a Igreja Universal do Reino de Deus continuará oferecendo a seus clientes serviços de oração, nem que seja por drive thru. No entanto, um certo tipo de mundo, de fato, acabou. “O mundo no qual você aprendeu a viver não existe mais”, diz o meme. E é justamente essa percepção, esse padrão de pensamento, que o jovem diretor pernambucano Pedro Ferreira consegue manobrar com criatividade e bom humor no curta-metragem Inocentes, exibido na Sessão 05 do Metrô.

O pontapé inicial do filme é o desaparecimento de dois amigos próximos do diretor, Felipe e Filipe. Os dois sumiram exatamente no mesmo período da pandemia, e, a partir das imagens de arquivo pessoal cedidas pelas famílias dos dois jovens, Pedro Ferreira narra a história de como eles se conheceram, como viviam, como sentiam, e para onde (e por quê) fugiram. Nessa jornada, regada a piadas com loló, fofocas misteriosas e crítica marxista, o realizador alcança um mergulho profundo e ao mesmo tempo leve na psiquê dos dois amigos desaparecidos. Na realidade, ao desfazer o nó, Pedro também acaba revelando muito de sua própria personalidade. “O que ele [Filipe] sabia, e que poucos sabem, é que na real eu não gosto de artista. Não gosto da cena. Tem vez que eu não gosto nem de filme. Ele sabia que eu gosto mesmo é de beber”, narra Pedro em determinado momento do filme.

O mais interessante é que, antes do sumiço, Felipe e Filipe só haviam se batido uma vez, em um encontro ocasional proporcionado pelo diretor-narrador, que já conhecia cada um dos jovens de lugares diferentes. Ou seja, cabe a Pedro juntar as peças de como aqueles dois garotos, que até então não se conheciam, desapareceram ao mesmo tempo e, tempos depois, postaram fotos no mesmo lugar. Com as imagens de arquivo, o mistério do desaparecimento e sua narração afiada, além de uma mescla entre elementos do documental e do cinema de coming of age, o diretor acaba criando uma teia de memória, através da qual não é possível esconder que o elemento central do filme é a saudade. A saudade dos bares com os amigos, dos encontros e das intensidades compartilhadas, e, sobretudo, a saudade de um mundo de onde Felipe e Filipe fugiram. Um mundo que, possivelmente, não existe mais.