texto crítico #14, 2021

Juventude em quatro paradas

Sessão 6

por Vanessa Freitas

A Sessão 06 do metrô se intitula como “20 e poucos anos”. Esse título permite que o espectador, antes mesmo de adentrá-la, entenda que estamos em uma parada de metrô sobre a juventude e suas inquietações. Esse ponto de parada significa que vamos nos encontrar com temas e com questões sensíveis sobre o significa crescer e viver (na pandemia, talvez).

Assim, nessa jornada, a curadoria do festival escolheu nosso itinerário da seguinte maneira: a primeira parada se dá em São Paulo, com Meninos Rimam (2021), em seguida retornamos a Curitiba, com o filme Lar (2021); nossa viagem continua em Belo Horizonte, com o filme Ucronia (2021), e chegamos ao fim em Santa Cruz do Sul -RS, com o filme Cacicus (2021). Conhecemos, assim, em uma única sessão, lugares e contextos diferentes de produção unidos por um sentimento comum: somos jovens.

O filme que abre a sessão é Meninos Rimam (2021), do realizador Lucas Nunes. Nesse curta-metragem de 20 minutos, somos convidados a conhecer Arthur e Alexandre. Esses dois personagens lidam com as inseguranças da vida, com a ânsia do primeiro beijo ou do primeiro amor e com o próprio autodescobrimento. O filme é, assim, todo costurado pelos desejos e pelas paixões. Arthur se vê cineasta, literalmente com uma câmera na mão. Alexandre, por sua vez, sonha em ser rapper, gravar seu primeiro clip. É na conexão com a arte que os meninos se unem, interpretam o mundo e sobrevivem à puberdade. Quanto à mise-en-scène, somos convidados a ver o mundo e a ouvi-lo pelos dois personagens. O filme, inteligentemente, usa as imagens filmadas por Arthur e os raps cantados por Alexandre de modo a criar uma história intima, pessoal e sensível sobre amar.

Encontramo-nos, nesse caminho das primeiras experiências, com o último filme da sessão: Cacicus (2021). Os realizadores Bruno Cabral e Gabriela Dullius, assim como Lucas Nunes, abrem espaço para as inseguranças do amor juvenil. Nesse curta-metragem de quatorze minutos, Laura encontra em Camila a coragem que precisa para sair – mesmo que por uma noite – das vistas do pai. Aos ares da Trilogia Before, de Richard Linklater, Laura e Camila têm a oportunidade de andarem pela cidade e, literalmente, saírem do papel. Novamente, cabe uma comparação ao filme Meninos Rimam na medida que Laura também recorre à arte para se expressar. É na ilustração que essa personagem se permite ser.

Essa ânsia por interpretar o mundo por meio da arte também é conhecida no filme Ucronia (2021), de Arthur Pereira. Como seu próprio título, o filme nos conduz pela cabeça e pelas reflexões de um homem em estado onírico. Em um jogo de repetições, a partir da montagem, vivemos inúmeras vezes o mesmo diálogo com pequenas alterações. Seria, dessa forma, possível afirmarmos que viver é reviver? Ucronia parece nos revelar muito sobre uma juventude que – talvez pelo contexto pandêmico, talvez pelo sentimento de fim de mundo – precisa reviver as próprias experiências, reviver a própria rotina marcada pela monotonia com – assim como os diálogos do curta – pequenas variações.      

Quanto ao sentimento de mal-estar diante do mundo, encontramo-nos com o filme Lar (2021), do realizador Lucca Vianna Cordeiro. É um curta-metragem cuja narrativa é centrada em “Pain”, um jovem que não consegue lidar com os traumas do passado e, por isso, recorre ao uso de substâncias e a festas insanas, mesclado a um período de extrema reclusão. Lar não é um filme fácil, palatável e orgânico. A falta dos três adjetivos talvez se dê pela falta de tato do realizador e de sua equipe. O filme tenta, por meio do uso de luzes coloridas e da montagem em um ritmo rápido, compadecer o espectador das angustias vividas pelo protagonista; no entanto, falha. Ele não consegue porque “Pain” não se deixa ver, não se deixa tocar. Ele, nesse sentido, é tão superficial quanto a forma como as questões psicológicas foram trabalhadas no filme. Além do apontado, a partir do curta-metragem, coloco outras reflexões: seria o suicídio parte de uma cultura jovem? Podemos, ou melhor, devemos entender que a superficialidade dos assuntos psicológicos, sociais e pessoais são sintomas de uma juventude cansada? Talvez sim. Nesse momento, compartilhamos um sentimento único: o cansaço.

De todas as reflexões tecidas em torno dos filmes da sessão, ecoa em mim mais uma. A curadoria do festival nos convidou a assistir aos filmes Meninos Rimam (2021) e Lar (2021) um seguido do outro, uma parada após a outra. É curioso, no entanto, que o olhar lançado sobre os filmes por ela tenha sido o do Rap. A música deveria ser o bilhete único entre os filmes. Entretanto, é preciso destacar que o Rap não é capaz de ligá-los, porque para o primeiro o Rap é arte, sobrevivência, sustento, para o outro, o Rap é jogo, música, brincadeira de amigos. Assim, nesse momento da viagem, fui invadida pela sensação de estar, mesmo que momentaneamente, fora do meu itinerário.

Por fim, entendemos que ser jovem, sobretudo nesse momento histórico-social do Brasil, é um conflito entre a saudade daquilo que vivemos e a ânsia daquilo que poderíamos viver.