É uma tradicional música de festa junina que nos apresenta à AGARRA, curta-metragem dirigido por Clara Estolano. Quando a tela preta cede à imagens de bandeiras coloridas, comidas e vestimentas clássicas deste tipo de celebração, temos certeza do ambiente em que estamos. Há, no entanto, algo que chama a atenção e já destaca a obra nesses primeiros passos da narrativa: trata-se de um fotofilme.
O fato do filme ser o único do gênero no festival reforça a ideia de que, num geral, fotofilmes ainda são pouco explorados – o que é curioso, já que são um território fértil para a ampliação de possibilidades narrativas, justamente por sugerirem um frutífero contraste entre a linguagem estática da fotografia e a fluidez do cinema. Claro, é possível pensar em alguns exemplos difundidos como Vinil Verde, de Kleber Mendonça Filho, e o clássico La Jetée, de Chris Marker, que inaugura o formato e incita a discussão acerca de suas especificidades. Não seria, afinal, todo o cinema formado pela junção de imagens imobilizadas? Em fotofilmes, só há a utilização de menos dessas imagens, e o movimento é construído de maneira diferente. Ainda assim, no entanto, esse formato por si só representa um desmonte da máquina cinematográfica, um debate acerca de sua própria definição como imagem-movimento.
Obras que se utilizam dessa característica, portanto, exigem uma construção criativa capaz de lutar com a percepção da fotografia e fazer-se pensar num todo cinematográfico. E acredito que em muitos momentos, AGARRA alcança essa criatividade. Desde o começo, a diretora demonstra saber encontrar o ângulo certo para capturar a fluidez que o cinema exige. As bandeiras parecem sofrer a ação do vento, as mãos quase se tocam, corpos entrelaçados, comidas em direção à boca. Tanto em relação aos cenários quanto aos personagens, a obra aposta em perspectivas não-óbvias, conseguindo orquestrar o ritmo, os desfoques e os detalhes de maneira muito original. É esse, com certeza, o maior acerto do filme: conseguir extrair o potencial narrativo através das características do formato usado. É quase como se testemunhássemos fragmentos de uma lembrança, pedaços de memória simplificados pela passagem do tempo.
O trabalho de som é outro aspecto válido de destaque, afinal, aqui torna-se o elemento responsável pela interseção de outros aspectos cinematográficos à fotografia. É a dublagem que ajuda a dar vida às cenas estáticas, enquanto os efeitos sonoros conferem a credibilidade da ambientação. Escutamos os passos na grama, as conversas atravessadas pela música e, finalmente, há o som da transformação, da revelação animalística da personagem principal. Apesar de, em relação ao conteúdo, não ter sido a parte mais inventiva, é interessante a forma como essa virada de roteiro é operada tecnicamente – a escolha de fotografias de longa exposição para representar esse caminho narrativo mais dotado de misticismo e o uso posterior de planos que, em vez de capturar a personagem como um lobo, são originais em apresentar o ponto de vista dela como animal.
No geral, o filme traz um formato muto criativo para contar uma história que, ao caminhar para o desfecho, revela-se talvez um pouco menos inovadora. No entanto, o que ressoa após ter assistido ainda são suas características dotadas de originalidade – desde a temática de uma festa de São João até a sensibilidade do olhar fotográfico pouco óbvio –, que por si só já sustentam a potencialidade inventiva da obra como um todo e a destacam dentre o que foi apresentado nesta última sessão.