O que de fato define um filme universitário? Além do mero contexto de produção, o que tal categorização nos leva a pressupor? Comumente partimos justamente para o contexto da produção como fruto de uma limitação – orçamentária, de experiências, de visão de mundo – que determina toda a existência da obra: esteticamente incertos, com interesses próximos e um certo escopo limitado do que podemos chamar de temas. A própria ideia de um “conteúdo” pode passar a responder a essa limitação, como se o contexto fosse o fator mais determinante para sua concepção e realização. Assim, podemos indagar se um cinema universitário precisa ser necessariamente um cinema jovem; a produção universitária realmente deve se reduzir ao universo de descobertas e dúvidas da juventude? E, caso realmente se reduza, qual a postura um filme universitário deve tomar frente a esse panorama?
Porque uma coisa que chama a atenção é como a realização e a temática são focos distintos em termos dessa problemática da maturidade: podemos ter filmes de temáticas sérias com realizações desleixadas, em que a abertura de um cinema jovem, de espírito, se traduz em decisões que frequentemente vão para o dramaticamente inerte ou para a auto-consciência irônica que parece retirar qualquer verniz de maturidade em sua realização. Já, em alguns casos, a ideia de um cinema jovem, que se interessa por abordar a juventude em suas narrativas, em seu foco temático, abertamente, não necessariamente carrega uma imaturidade em sua realização, muito pelo contrário, a temática jovem deve, deveria, pode transbordar para um cinema em que o ímpeto de uma nova forma de expressão se torna presente.
Nessa Mostra Competitiva do 7º Festival Metrô, três filmes parecem conversar de forma mais direta com essas problemáticas: “Combustão Espontânea”, “Cecília” e “Sorriso Amarelo”. Curiosamente, os três parecem seguir uma sequência de amadurecimento da vida jovem, retratando personagens que, em ordem, vivem o fim do ensino médio, a vida festeira de um início de faculdade e a parte mais séria, cercada por estágios e empregos, de um período posterior. Porém os filmes não poderiam ser mais diferentes em formas de pensar e retratar esses períodos da vida de seus jovens.
“Combustão Espontânea”, dirigido por Pedro de Lima, parece ser o que mais se contenta com um escopo diminuto no que se interessa quando pensa essa juventude. Contando a história de uma estudante de ensino médio que perde o interesse na física, matéria que prometia um futuro acadêmico para ela, o filme cerca ela de conflitos que sempre habitam essa órbita sem conseguir de fato sugerir qualquer tipo de existência das personagens para fora do espaço da escola e da família, que também só giram em torno do problema central da trama. Apesar da insistência no uso de closes nos rostos da estudante e de sua melhor amiga, e dos olhares que elas trocam entre si, falta qualquer espécie de desejo para o filme, qualquer pulsão outra que não essa da dúvida e da incerteza que, muito certamente, será resolvida ao final da trama.
Mesmo sendo parte de um universo jovem, a incerteza e essa espécie de ansiedade específica à adolescência não precisa ser resumida a elas mesmas – elas existem em contextos, que vão do tédio ao êxtase e o anseio por todas essas camadas juntas. Negar esteticamente a possibilidade desses universos existirem não apenas como temas, mas como visualidade, como formas de pensar as existências que se colocam em tela, formas de apresentar suas visões de mundo, é negar toda a possibilidade de um cinema jovem que não se resuma a conflitos simplificados.
“Cecília”, de Sofia Werlang, parece um filme que se resolve de maneira mais decisiva sobre essas questões. Contando o desencontro de duas amigas em torno da paixão de uma delas pela outra, o filme se divide em 3 blocos específicos (um pré-festa, a festa em si e um após), em que desenvolve, por meio do diálogo entre as amigas e uma terceira personagem, um mundo em que certos desejos e repressões estão à mostra. O filme busca sempre algumas especificidades daquela história, como algumas escolhas de casting, a forma que o roteiro organiza os diálogos e algumas pontuais escolhas de montagem. Se o filme por vezes engasga na forma que constrói algumas situações no seu roteiro, com uma certa ânsia de expressão dos grandes pontos de vistas que ele quer apresentar, ainda há um universo que pensa uma juventude enquanto modo de realização.
O que talvez fique claro na cena da festa, em que o filme não encontra nenhum ritmo para construir a situação em que as personagens decidem ir a um quarto, mas, ainda sim, o filme esbarra nos seus desejos mais específicos, suas vontades mais claras. Na festa, a montagem experimenta com fotografias em tela, que parecem propor uma outra camada da vida daqueles personagens, assim como da vida da própria realização do curta. Também nesse momento ocorre a cena do beijo das duas amigas, que é encenada e escrita de maneira em que a intencionalidade, os problemas de roteiro e as atuações um tanto engessadas parecem diluir-se em como o momento funciona como certa explosão de uma ânsia da juventude.
Por fim, essa ânsia parece ser o ponto de partida de “Sorriso Amarelo”, de Giulia Maria Roberta, mesmo que não em seu roteiro. Na trama, uma jovem que acabou de sair de um relacionamento tem alguns encontros com amigos enquanto se muda novamente para seu apartamento antigo. Existe uma narrativa que atua quase na base de uma rememoração do contexto da vida dos jovens em tela – descobrimos o que as personagens fazem da vida, como se deu o término, onde trabalham, o que estudam, etc. Mas o grosso das falas são certas trivialidades, pequenas lembranças, causos e os anseios que envolvem todos esses contextos apontados. Em suas conversas não existe uma pulsão, um desejo explícito, mas sim um certo tédio que fica entre o desânimo e o conforto.
A pulsão parece partir da própria existência do curta, que foi filmado em baixa resolução, com atores envolvidos na própria equipe e com camadas de improvisação. Em sua forma, há a transposição de uma vontade cinematográfica, de inúmeras decisões que envolvem existir enquanto cinema. Há em todo o filme uma preocupação com a cadência das falas, com o ritmo de cada diálogo, que envolve em alguns momentos o próprio trabalho de atuação, mas também perpassa a edição, que irá utilizar de cortes secos e jump-cuts para trabalhar uma organização específica daquelas falas, daquelas presenças que os personagens dividem.
Essa organização é uma em que, entre as falas, nas relações em tela, o que chama a atenção são os momentos de silêncio, de estar sentado junto a um amigo, e do qual a presença da câmera faz parte. O silêncio é o diegético, de momentos em que as conversas diminuem o ritmo, mas é também o granulado constante da imagem, do som ambiente, que se impõe junto às falas, e da montagem que, ao picotar aqueles espaços, nos lembra do fato de que a ideia de um cinema de conversação também remete ao universo da linguagem cinematográfica, de como ela existe junto a um filme de diálogos.
Existe, claro, um mundo de diferenças entre “Sorriso” e alguns outros filmes que pensam fatores jovens dentro do festival, não restrito apenas aos dois comentados aqui – “Filme do Fulano”, “Ladeira Abaixo”, “Carnicização”, “Agarra” e “As Janelas Me Diziam Que Os Carros Cor De Lembrança Ainda Percorriam as Movimentadas Ruas do Esquecimento” são filmes que, cada um de sua forma, parecem dialogar com alguma ideia de juventude em seu conteúdo. “Sorriso” e “Fulano” são os únicos em que o horizonte do trabalho existe de forma clara, mas enquanto neste o trabalho é colocado de uma maneira cômica e quase caricatural, mais ligada a um imaginário de ficção do que concretamente dentro da realidade do personagem, para os jovens do filme de Roberta o trabalho é um fato entre tantos outros. Funciona como um elemento de caracterização dos personagens, claro, uma que ainda possui um débito com um certo imaginário do espectador (o menino advogado, a fuga da faculdade “séria” para viver de arte, etc), mas que pouco importa frente ao diálogo imediato de cada cena.
Essa escolha pela imediatez de cada cena, de cada diálogo, aponta como essas diferenças não estão só no âmbito de se abrir para tópicos mais “maduros” como o trabalho. Se ampliarmos o escopo do conceito de cinema jovem para a postura de realização, quase abarcamos toda a seleção da Mostra Competitiva nesta categoria. Mas poucos são os filmes que conseguem pensar uma realização que conecta-se com essa certa liberdade da juventude, que usa dela, usa da experiência da universidade como experimento de vida e de arte, para dentro de seus filmes – sejam eles sobre jovens ou não.
Pensar o cinema universitário envolve indagar quais espaços e com quais ferramentas ele trabalha, onde ele procura chegar. O fator de uma juventude se mostra fundamental para pensar como as abordagens e temáticas são conectadas, como de certa forma surge um problema de postura frente ao cinema. Mas que também é o espaço onde outras maneiras de pensar todos esses problemas podem surgir: para onde direcionar os anseios, as vontades, as narrativas que querem ser contadas. Realizar um cinema é realizar um mundo, uma visão, é pensar uma existência. Quais existências o cinema universitário quer encontrar?