Pálido Ponto Vermelho: sobre terror, inventividade e universo , por Giovanna Bohrer

Em 14 de fevereiro de 1990, a sonda Voyager 1 registrou uma fotografia do planeta Terra, de uma distância de seis bilhões de quilômetros, retratando nosso planeta como uma longínqua e minúscula fonte de luz. Esse registro ficou conhecido como Pálido Ponto Azul, e foi a gênese de grandes especulações filosóficas que tratam, de certa forma, da insignificância da raça humana em relação à imensidão do Universo. Pálido Ponto Vermelho, dirigido por Kalel Pessôa, Lucas Chefe e Arthur Oliveira, brinca com esse conceito, usando-o como ponto de partida da narrativa. No entanto, o que operam é uma ideia quase geocêntrica, em que o planeta Terra torna-se alvo de forças apocalípticas universais, não aparentando mais ser um simples corpo perdido na imensidão do cosmos.    

Esse absurdo é orquestrado de maneira brutalmente realista. Utilizando o modelo de found footage – em que o próprio tratamento da imagem já gera um contexto capaz de provocar sensações distintas – somado a inserção de um cenário jornalístico televisível, são capazes de criar uma narrativa extremamente crível. O telespectador é situado no ano de 1991, na capital paraense, mais especificamente no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), onde um estranho objeto monolítico apelidado de “unha” aparece preso à terra. A partir daí, esse terror sci-fi analógico assume uma progressão diegética intensa. Lentamente, as consequências da aparição do artefato assumem um caráter destrutivo e além-fronteiras. Os 20 minutos de duração da obra, agora, são meramente abstratos. Somos transportados à outra dimensão. O tempo pouco importa, nem o sentimos passar.  

São muitos os elementos que permitem tamanha imersão do telespectador. Seja o tratamento de imagem que emula com perfeição as características televisivas do espaço temporal abordado; seja o sábio uso de imagens de arquivo reais, como novelas e vinhetas de jornais da época; ou a ótima manipulação das imagens atuais, que sob a edição certa parecem realmente pertencer à outra década. No entanto, me parece que o aspecto mais interessante é a aposta em um regionalismo operado na medida certa para invocar a identificação e, ao mesmo tempo, desafiar o próprio caráter narrativo regionalista. É uma dosagem bem feita, que resulta em um verdadeiro apocalipse paraense, capaz de fugir de muitos clichês e subverter a própria familiaridade com o espaço documentado. “Belém não existia mais, o inferno tinha tomado seu lugar”, é o relato que ouvimos de uma das testemunhas. 

Ainda mantendo o caráter inventivo, Pálido Ponto Vermelho também sabe exportar elementos-chave do terror e da ficção científica para seu próprio mundo. São os ruídos perturbadores, os cortes secos, a sábia introdução do absurdo, o uso de ambientes familiares, a construção de uma atmosfera de desolação iminente e a sensação de que, a qualquer momento, tudo pode piorar. São vários os aspectos responsáveis pelas distintas sensações ao longo do momento frente à tela, mas é a mistura original de todos eles que torna a obra tão interessante. 

E à medida que não há mais esperanças, que esperamos pela destruição total na próxima cena, surge algo de confortável. Deve ser essa sensação egoísta que, de alguma maneira, somos notados na imensidão do universo. Vejo o filme como condutor dessas questões. O planeta Thanatos nos escolhe como alvo dentre tantos outros. A destruição começa aqui.  Será que, no fim das contas, somos assim tão insignificantes? 

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