Pedaço de um instante épico, por Victor Souza
A tela do cinema, na sua enormidade, muitas vezes permite que a gente viaje um pouco enquanto assiste algo. Ao se abrir como uma janela para outro mundo, a tela do cinema da “linguagem clássica” oferece a experiência de descobrir realidades parecidas com a nossa, mas com regras muito próprias, situações que são consequências de coisas que vieram antes e vão se estender para outras que virão depois. Nos vemos no meio de um rastro de alguma história, um desejo sendo cumprido, uma vingança sendo feita ou uma missão sendo concluída. Com um pouco menos de cinco minutos, Água mole, dedo
Observando de longe o retrato de uma ocupação, por Victor Souza
A iniciativa de filmar documentários em ocupações já vem sendo explorada pelo MLB – Movimento de Luta nos Bairros e Favelas há certo tempo, tendo rendido até agora resultados muito potentes como em Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados (2018) e Na missão, com Kadú (2016). Nestes filmes, mesmo quando existe uma postura da ‘mosca na parede’ que observa silenciosa, a presença da câmera parece propor um estar ali, explorando visualidades que se chocam com a maneira como as personagens interagem com o seu espaço. Ambos, de fato, são elaborados a partir de um sentimento de urgência. No
Cinema jovem em xeque: sobre Cecília, Combustão Espontânea e Sorriso Amarelo, por Luiz Eduardo Kogut
O que de fato define um filme universitário? Além do mero contexto de produção, o que tal categorização nos leva a pressupor? Comumente partimos justamente para o contexto da produção como fruto de uma limitação – orçamentária, de experiências, de visão de mundo – que determina toda a existência da obra: esteticamente incertos, com interesses próximos e um certo escopo limitado do que podemos chamar de temas. A própria ideia de um “conteúdo” pode passar a responder a essa limitação, como se o contexto fosse o fator mais determinante para sua concepção e realização. Assim, podemos indagar se um cinema
Se esse rio fosse meu: Pepe Reis sobre Pisca-Pisca e A Cachoeira dos Pássaros
O capital modifica as paisagens, apropria os espaços e destrói, gradualmente, a vida que outrora habitava límpida e radiante naquele local. Pisca-Pisca e A Cachoeira dos Pássaros são dois curta-metragens que fazem parte da mostra competitiva Se Essa Rua Fosse Minha, cujo nome logo evoca duas ideias a princípio dissonantes: posse e familiaridade. “Se essa rua / Se essa rua fosse minha / Eu mandava / Eu mandava ladrilhar / Com pedrinhas / Com pedrinhas de brilhantes / Para o meu / Para o meu amor passar.” Essa cantiga propõe um olhar sobre a rua, um elemento coletivo que, assim como um
Medo e delírio no campus, por Victor Rocha Souza
O curta curitibano Ladeira Abaixo, de João Pedro Rodriguez, é uma comédia que dialoga com um tipo de humor que surge no início dos anos 2000, momento de produções de galera feitas para a internet ou, em caso raro, para a televisão, como o grupo Hermes e Renato. Nestas produções, muitas vezes existe a construção de um humor através de uma estética da trasheira, onde a suposta falta de cuidado na produção colabora para atingir certos efeitos imediatos. Resultado de um trabalho obrigatório de curso, o filme se passa justamente na universidade, a transformando em uma espécie de purgatório onde figuras
Impressões e relações com Página Três, por Patricia Ressurreição
O filme se destaca pelo protagonismo feminino e negro, centrando-se na história de uma mãe separada e suas duas filhas. A narrativa explora a intimidade entre as irmãs, exemplificada na cena em que Verônica, a mais velha, esconde uma camisinha enquanto conversa com Vanessa e a mãe, antes de se arrumar para o jantar e sair, sobre um incidente na escola. Vanessa, a irmã mais nova, percebe Verônica como um modelo a seguir, o que fica claro quando ela usa maquiagem na ausência da irmã. A figura do pai é mencionada, mas ele não aparece em cena, sublinhando a ausência
Janelas indiscretas são melhores como memórias guardadas, por Glauber Machado
Glauber Machado sobre As Janelas Me Diziam Que Os Carros Cor De Lembrança Ainda Percorriam as Movimentadas Ruas do Esquecimento Existem intensas problemáticas dialéticas quando pensamos narrativas autobiográficas, apesar de sua constante presença nas linguagens artísticas representativas. Questões que vão desde a ambiguidade entre realidade e ficção até enfrentamentos éticos da representação do real e da autenticidade deste “eu” posto em evidência. Embora esse posicionamento criativo diante da forma possa oferecer uma rica exploração do indivíduo e de sua relação com o mundo, permitindo uma conexão com pontos de vista únicos, realidades e vivências outras, ela também corre o risco de
Pálido Ponto Vermelho: sobre terror, inventividade e universo , por Giovanna Bohrer
Em 14 de fevereiro de 1990, a sonda Voyager 1 registrou uma fotografia do planeta Terra, de uma distância de seis bilhões de quilômetros, retratando nosso planeta como uma longínqua e minúscula fonte de luz. Esse registro ficou conhecido como Pálido Ponto Azul, e foi a gênese de grandes especulações filosóficas que tratam, de certa forma, da insignificância da raça humana em relação à imensidão do Universo. Pálido Ponto Vermelho, dirigido por Kalel Pessôa, Lucas Chefe e Arthur Oliveira, brinca com esse conceito, usando-o como ponto de partida da narrativa. No entanto, o que operam é uma ideia quase geocêntrica,
“Raiva-Coração”: Esse filme é sobre o quê?, por Luiz Eduardo Kogut
Parte do que nos fascina na arte é o encontro com o que nos escapa. Não só na tentativa, ilusória, de uma escapatória de viver outras vidas, de nos levar para fora de nossa realidade enquanto espectadores, mas de experienciar outras formas de sentir, ver, viver. Essa realidade vale tanto para o espectador, o apreciador da arte, quanto para o artista, para aquele que tenta ir além de si para criar uma existência autônoma, além do seu corpo, mente e alma, que passará a existir como obra de arte. Ir além de si propõe, também, ir além de todos os
Sem saber onde chegar: Victor Rocha Souza sobre a Sessão Competitiva 2
A força da coletividade parece ser a tônica que move não apenas a segunda sessão da mostra competitiva, mas também a proposta de uma mostra de cinema universitário, que cria um ponto de encontro para diferentes equipes se encontrarem e trocarem ideias e apontarem para um rumo em comum. Os seis filmes desta sessão estabelecem muito este sentido de se comunicar com o fim de organizar uma comunidade, chamar pro rolê ou para a luta. O gesto político de aproximar grupos com interesses e necessidades em comum, criando uma rede que permite pular da reflexão para a ação. A comunicação críptica
Próxima Parada: montagem como forma de denúncia, por Giovanna Bohrer
Para quem faz uso do transporte público da cidade de Curitiba, as cenas de Próxima Parada, dirigido por Daniella Shizuko, Marina Sartoreli, Ph Ribas e Sal Galarça, são muito recorrentes. A passagem cara, os terminais lotados, as condições dentro dos veículos e o próprio efeito sonoro característico de parte da frota – é tudo familiar. E para esse morador de Curitiba, já farto de escutar que diariamente usufrui do melhor transporte público do país, a revolta ao se deparar com essas problemáticas sempre chega com muito mais força. Parte integrante da segunda mostra competitiva do Metrô, é curioso pensar Próxima Parada
Pedagogias cosmotécnicas, por Luiz Eduardo Kogut
Uma filmagem é uma relação com o mundo: ela capta, reflete e posteriormente pensa relações com esse universo sensível colocado em sua frente. É uma mediação entre ser e ambiente e, dessa forma, é uma extensão do ser para fazer sentido desse espaço para fora dele, uma prótese técnica que permite que a percepção e o contato com todo o restante da existência não se restrinja apenas ao corpo humano. É uma relação, portanto, de ampliação do campo da humanidade, de sua visão, percepção e experiência. A maneira que essa relação técnica se dá, porém, não é restrita somente ao horizonte
Pisca-Pisca: Sob o rio, desejaria que se seguissem derramando poemas, por Glauber Machado
Dirigido por Alerrando Pelaes Marques, Ana Beatriz Costa de Souza, Fernando de Carvalho Vaz, Gustavo Almeida dos Anjos, Deivid Souza Brazão, Ingrid Carol Maia dos Santos, Joabe Barata do Carmo, Maiane Estefany Rocha Fernandes, Manoel Vicente Cruza da Costa, Maria Fernanda Sanches, Zaquias dos Santos Pereira e Vitória Nascimento Farias Ferreira Gomes é um município do Amapá que abriga três hidrelétricas em seu rio Araguari. Porém, a energia produzida é majoritariamente enviada a outras regiões do país, e os moradores locais são quem acabam prejudicados pela falta de abastecimento, encargos abusivos e os danos causados em suas bacias hidrográficas. Confrontando essa questão
Glauber Machado sobre a Sessão Competitiva 1
Há uma necessidade pungente de se intervir na realidade como está posta. A consequente formação de imagens singulares a partir desse desejo, de novas formas de ver, é o resultado do sentimento insuperável de transpassar, ressignificar o mundo. Seja através da ficcionalização e da fabulação, do experimentalismo ou da reformulação de uma perspectiva construída, percebe-se nos filmes da Primeira Mostra Competitiva do 7º Metrô uma propulsão energizada pelo ímpeto de se tornar presença, de enxergar o mundo e ser reconhecido nele. Algo tangenciado pelo noir “Manchester”, primeiro curta a ser exibido, onde a detetive Agnes navega as áreas inertes de espaços
Victor Rocha Souza sobre Sombras de Macumba na Luz da Memória
Fechando a primeira sessão da mostra competitiva do Metrô, com cinco curtas que investigam as memórias fixadas na materialidade que nos cerca, Sombras de Macumba na Luz da Memória já no seu título propõe a imagem de algo que é revelado na sua meia-forma, incompleto, a partir de um olhar particular, afetado pelo que registra. O curta se estrutura enquanto um “filme de arquivo”, apresentando documentos a partir de um interesse histórico ou pessoal. O que conduz o caminho aqui, é a pesquisa do diretor carioca, Mysteryo, da Universidade Federal Fluminense, a respeito da maneira que as manifestações religiosas afro-brasileiras
Manchester: entre a distância e o choque, por Luiz Eduardo Kogut
Manchester é um filme que se divide entre dois espaços: o tido como “real”, da detetive Agnes, protagonista e único corpo presente em tela, e o “Terceiro Mundo”, espaço quasi-virtual em que a personagem adentra para suas investigações. O primeiro segue uma lógica de gênero de um cinema noir: a investigadora, interpretada por Camilla Del Negri, narra em off sua jornada com um caso não-solucionado enquanto trabalha em sua casa. Suas investigações, porém, se concentram na transferência de sua consciência para um outro campo, um outro mundo. Filmado em espaços abandonados e esvaziados de São Gonçalo/RJ, essa espécie de zona
Reverberações da “Sagrada Travesti do Evangelho”, por Patricia Silva da Ressureição
“Sagrada Travesti do Evangelho” é um filme que desafia o espectador a sair de sua zona de conforto e se envolver com realidades muitas vezes ignoradas ou desconhecidas. Ao nos apresentar a vida de Manuela, uma mulher preta, transexual, periférica e pobre, o filme nos transporta para uma jornada íntima que explora sua fé, sua solidão, seus medos, desejos, afetos e anseios. Manuela é uma sobrevivente, uma protagonista que carrega em seu corpo as marcas da exclusão e da resistência. O filme explora a linha tênue entre ficção e realidade, onde os momentos de ficção surgem como expressões dos desejos internos
Transurbano – memória e subjetividade, por Giovanna Bohrer Bertoni
As imagens gritam. Imploram para serem reconhecidas. Pulsam em dissincronia num ato de reconfiguração do espaço urbano. É essa a mais imediata impressão de Transurbano, curta-metragem dirigido por Francisco da Silveira, exibido na primeira sessão da Mostra Competitiva do 7º Metrô. No caos de fragmentos adquirindo vida em quatro minutos de duração, o que resta? O que nos cabe reter dessa orquestra anárquica? Gravada em Super-8, a obra se debruça por cenas cotidianas de Curitiba – ruas, estátuas, praças, parques e pessoas que ocupam esses espaços – de forma altamente experimental. Através de uma coreografia protagonizada pelas imagens em consonância com